Conflito aberto entre governo e presidentes da Câmara e do Senado
atrapalha votação de medidas econômicas e pode ter efeito negativo para o
país.
O início da Operação Politeia, um dos desdobramentos mais importantes da
Lava Jato, e novas denúncias de delatores provocaram esta semana a ira
dos parlamentares envolvidos, que prometeram retaliar o Palácio do
Planalto por meio de votações no Congresso.
Na terça-feira 14, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e
apreensão nas residências dos senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Ciro
Nogueira (PP-PI), entre outros políticos de alto escalão da República.
Na quinta-feira 16, a denúncia de que o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), teria cobrado 5 milhões de dólares de propina do
lobista Julio Camargo jogou ainda mais lenha na fogueira – Cunha negou
que tenha recebido propina e sugeriu que o Executivo estaria por trás da
denúncia.
Cunha e também o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão
em pé de guerra com o governo desde a divulgação da lista de
parlamentares investigados pela Operação Lava Jato, no início de março.
Eles atribuem as investigações sobre eles à ação do Executivo – que, no
mínimo, não teria feito nada para impedi-las. As ações desta semana
deterioraram ainda mais as relações deles com o governo.
Analistas afirmam que essa situação pode até mesmo afetar negativamente a
economia. "A promessa de retaliação por parte dos parlamentares vai
complicar mais ainda a execução da política de austeridade fiscal, que
já é prejudicada pelo baixo desempenho econômico", avalia Barbara Fritz,
professora de Economia do Instituto de Estudos Latino-Americanos da
Universidade Livre de Berlim.
Se o governo tiver problemas para executar as medidas de contenção de
gastos, explica a especialista, ficará ainda mais difícil alcançar a
meta de superávit primário em 2015, de 1,1% do PIB. Para Fritz, os
investimentos em infraestrutura, por meio de parcerias público-privadas,
também poderão ser prejudicados.
No Senado, há pressão para engavetar o projeto do ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, que prevê a regularização de dinheiro de brasileiros
enviado ao exterior sem declaração à Receita Federal. A medida, que faz
parte do chamado "pacote federativo", poderia incrementar o orçamento do
governo.
Já o analista financeiro Rogério Sobreira não vê "efeitos reais danosos"
com uma possível retaliação de parlamentares à política de contenção
fiscal. "O governo já 'precificou' o tamanho do ajuste. A ação dos
congressistas não vai se traduzir em piora no desempenho da economia. A
política fiscal está na direção certa, mesmo que não se alcance a meta
do superávit", opina.
Nos bastidores em Brasília, há a expectativa de que o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, apresente denúncias contra Cunha e
Calheiros nos próximos dias. Os dois reagiram de forma enérgica às novas
denúncias e boatos.
Calheiros tocou adiante, na quinta-feira 16, a criação de duas CPIs que
incomodam o Palácio do Planalto: a dos fundos de pensão e a dos BNDES. O
presidente do Senado foi também veemente na acusação à Polícia Federal,
taxando de invasão as operações de busca e apreensão em imóveis de
senadores.
Já Cunha anunciou nesta sexta-feira seu rompimento com o governo. "É
tudo vingança do governo, parece que o Executivo quer jogar a sua crise
no Congresso", declarou ao jornal Folha de S.Paulo.
Cunha também dará início à apreciação das contas do governo em 2014, que
podem ser rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em
resposta à DW Brasil, o gabinete de Cunha não quis comentar as
informações.
"Sob pressão com as investigações, é de se esperar que Cunha tome
medidas cada vez mais arrojadas, ganhando visibilidade e importância à
medida que enfraquece um governo já debilitado. Hoje ele é mais oposição
ao governo do que todo o PSDB junto", avalia o cientista político
Cláudio Couto, da FGV-SP.
O especialista destaca a situação irônica em que Dilma se encontra –
alguns parlamentares pedem o impeachment dela, alegando que ela seria
responsável pela corrupção; já outros se voltam contra o governo por
serem alvo de investigações anticorrupção que, no entender deles, seriam
patrocinadas pelo Executivo.
Cunha e Calheiros alegam que o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, tem influenciado nas investigações da Lava Jato. Em depoimento
na CPI da Petrobras, Cardozo disse que não tem o poder de "controlar" ou
"instrumentalizar" as investigações da PF, que é subordinada ao
Ministério da Justiça.
"Há os que pedem o impeachment de Dilma, sob a alegação de que ela seria
responsável por problemas de corrupção. Por outro lado, Dilma e seu
ministro da Justiça sofrem ataques de parlamentares por não controlarem a
Polícia Federal. Esses parlamentares esperam proteção da presidente
contra seus atos corruptos e, em retaliação, ameaçam com o impeachment",
observa Couto.
"Em resumo, seria possível que a presidente fosse impedida com o voto de
parlamentares corruptos, justamente por não impedir que eles sejam
investigados por sua corrupção. É irônico", finaliza.
Fonte: Deutsche Welle/http://www.cartacapital.com.br/
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