O
aumento de casos de febre amarela silvestre (transmitida em regiões
rurais e de mata) em Minas Gerais pode ser um surto cíclico da doença,
como o já observado em 2009. Mesmo assim, o país corre risco de ver um
retorno dela às áreas urbanas, avaliam pesquisadores.
Desde o início de janeiro, 23 casos
suspeitos foram notificados no interior de Minas Gerais – 14 deles
levaram à morte dos pacientes. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado,
16 deles são considerados prováveis, após exames apontarem a presença do
vírus, mas ainda estão sendo investigados.
No interior de São Paulo, uma morte foi confirmada como causada pela febre amarela silvestre em dezembro, a primeira desde 2009.
“Já esperávamos um surto maior da febre
amarela silvestre, mas devemos nos preocupar, sim. Estamos sentados em
uma bomba-relógio”, disse à BBC Brasil o epidemiologista Eduardo Massad,
da USP.
“Precisamos entender o risco de
reintrodução de febre amarela urbana, o que seria uma enorme tragédia,
talvez maior do que zika, dengue e chikungunya juntas – porque ela mata
quase 50% das pessoas que não são tratadas.”
A febre amarela é considerada endêmica
nas regiões rurais e de mata do Brasil, onde é transmitida por mosquitos
de espécies diferentes, como o Haemagogus e o Sabethes, para macacos e,
ocasionalmente, para humanos não vacinados. Mas não há registro de
casos em áreas urbanas – onde o vetor é o mosquito Aedes aegypti – desde
1942.
O Ministério da Saúde notificou a OMS
(Organização Mundial da Saúde) dos casos, seguindo recomendação do
Regulamento Sanitário Internacional de informar à organização
ocorrências importantes de saúde pública.
Em 2016, o Brasil teve seis casos da
doença confirmados, segundo o governo. O último surto da febre amarela
silvestre ocorreu entre 2008 e 2009, quando 51 ocorrências foram
confirmadas.
A pasta também afirmou que enviou duas
equipes e cerca de 285 mil doses de vacina contra a febre amarela para
Minas Gerais para controlar a doença. Pessoas nas áreas onde há registro
de casos serão vacinadas, e, em seguida, moradores de municípios
vizinhos.
Em sua fase inicial, que dura de três a
cinco dias, a febre amarela causa calafrios, febre, dores de cabeça e no
corpo, cansaço, perda de apetite, náuseas e vômitos. Em sua fase mais
grave, a doença provoca hemorragias e insuficiência nos rins e no
fígado, o que pode levar à morte.
Macacos
Atualmente, 15 municípios mineiros estão
em situação de alerta para a febre amarela. Também estão sendo
monitoradas cidades onde ainda não houve casos em humanos, mas que
registraram mortes de macacos possivelmente causadas pela doença.
O monitoramento ocorre normalmente no
Brasil todos os anos, especialmente entre dezembro e maio, considerado o
período de maior probabilidade de transmissão da febre amarela.
A bióloga Marcia Chame, coordenadora da
Plataforma Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre na Fiocruz
Rio, diz que as autoridades de saúde no Brasil já haviam percebido que
os surtos extravasam o ambiente das florestas aproximadamente a cada
sete anos e atingem mais seres humanos no interior do país.
“Este surto maior é cíclico e, por isso,
já há atenção sobre isso. Isso tem relação com todas as atividades
humanas que invadem a floresta. E no Brasil também temos um processo
importante de perda de ambientes naturais”, disse à BBC Brasil.
Segundo ela, o aumento das mortes de
macacos – principais hospedeiros do vírus no ciclo de transmissão
silvestre – é o principal indicativo de que o surto pode estar se
aproximando das populações humanas.
“Desde 1940 não temos ciclos, no Brasil,
de transmissão deste vírus pelo Aedes aegypti, só pelo Haemagogus. A
morte de macacos perto de pessoas mostra que um ciclo que deveria estar
limitado ao ambiente das matas está mais perto das áreas onde vivem
humanos. E quando eles estão próximos, é mais fácil para o mosquito
passar o vírus para uma pessoa”, explica.
“Em 2009, no Rio Grande do Sul, as
pessoas chegaram a matar os macacos, achando que eles transmitiam a
doença, mas ele nos presta um serviço, porque é o sentinela. É
importante notificar as autoridades dessas mortes.”
Na Fiocruz, a equipe liderada por Chame
tenta entender o que causa esses surtos de maior proporção na tentativa
de evitar, também, que o vírus volte às cidades.
“Estamos modelando a ocorrência de febre
amarela contra 7,2 mil parâmetros ambientais, climatológicos e outros,
para tentarmos identificar que variáveis que causam isso, mas é muito
complexo”, explica.
“Elas acontecem em ambientes diferentes,
com espécies de macacos e de mosquitos vetores diferentes. Precisamos
que a população nos ajude a identificar esses animais e o que está ao
redor dos locais onde são encontrados – empreendimentos imobiliários,
construções.”
O receio, diz ela, é que com a
diminuição das áreas florestais, animais que foram infectados frequentem
cada vez mais os centros urbanos em busca de alimento e abrigo. Lá,
eles também poderiam ser picados pelo Aedes aegypti, abundante nas
cidades brasileiras.
Retorno
Atualmente, o Ministério da Saúde
recomenda que todas as pessoas que moram ou têm viagem planejada para
áreas silvestres, rurais ou de mata verifiquem se estão vacinadas contra
a febre amarela. Em geral, a vacina passa a fazer efeito após um
período de dez dias.
O risco de que moradores de áreas
endêmicas e até ecoturistas contraiam o vírus e o levem para cidades
maiores é a principal preocupação dos especialistas. Na verdade, eles
ainda tentam descobrir por que isso não ocorreu até agora.
“Ainda é um desafio entender como a
febre amarela não voltou para os centros urbanos, já que temos um grande
número de pessoas que vão a áreas endêmicas para turismo ou a trabalho e
voltam para cidades infestadas de Aedes aegypti”, diz Eduardo Massad.
O médico e pesquisador Carlos Brito, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), concorda. “Dizemos que a
febre amarela só não voltou ainda às cidades porque Deus é brasileiro. É
uma preocupação real.”
Os pesquisadores tentam compreender se o
Aedes aegypti teria, por exemplo, menos competência como vetor da febre
amarela do que da dengue, da chikungunya e da zika, outros vírus da
mesma família.
“Hoje os deslocamentos de pessoas pelo
país são muito mais rápidos. Por isso, estes vírus se disseminam com
mais facilidade. O fato de a febre amarela ainda não ter se disseminado
no país todo é um alento, que dá expectativa de que não aconteça o mesmo
que ocorreu com zika e chikungunya nos últimos dois anos”, afirma
Brito.
“Mas uma coisa é fato: se em 30 anos de
dengue batemos recordes de números de casos em 2015 e em 2016, não é
porque a população brasileira cresceu. Isso mostra que perdemos o
controle do mosquito.”
Vacina
O Ministério recomenda a vacina para
pessoas a partir de nove meses de idade que vivem nas áreas endêmicas ou
viajarão para lá e a partir dos seis meses, em situações de surto.
Segundo a pasta, todos os Estados estão
abastecidos com a vacina e o país tem estoque suficiente para atender a
todas as pessoas nestas condições.
Para Massad, no entanto, o governo
deveria elaborar uma estratégia para ampliar a vacinação contra a febre
amarela em todo o país, incluindo as zonas costeiras, onde estão alguns
dos maiores centros urbanos, que não são consideradas endêmicas.
De acordo com o ministério, apenas os
Estados de Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro estão fora da Área com
Recomendação para Vacinação (ACRV) de febre amarela.
Mas enquanto ainda não se explica como o
vírus se manteve fora das cidades durante os últimos 75 anos – mesmo
com o aumento da infestação pelo Aedes aegypti – o pesquisador continua
preocupado.
“A probabilidade de levar uma picada de
Aedes aegypti no Rio durante o Carnaval é 99,9%. É inescapável. As
pessoas ficaram preocupadas com Olimpíada, Copa do Mundo. Isso é
besteira. Imagine se chega alguém com febre amarela no Rio no Carnaval.”
UOL via BBC Brasil
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