Médicos ouvidos pela reportagem relatam que os casos são cada vez mais frequentes e afetam principalmente jovens em relações instáveis
Por Estadão Conteúdo
Em Pernambuco, Estado com maior número
de notificações de microcefalia, muitas mães têm sido abandonadas pelos
companheiros após descobrir que o filho do casal é portador da
má-formação. Médicos ouvidos pela reportagem relatam que os casos são
cada vez mais frequentes e afetam principalmente jovens em relações
instáveis.
Médicos que trabalham no atendimento de
pacientes com microcefalia contam que os homens têm mais dificuldade do
que as mães para aceitar a deficiência do filho. “Eu me surpreendi com a
quantidade de mães que estão cuidando do filho sozinhas, porque o pai
simplesmente resolveu largar a família”, conta uma pediatra que não quis
se identificar. O rompimento também atinge relações mais duradouras.
Após dois anos de namoro e nove de
casamento, a promotora de eventos Carla Silva, de 32 anos, foi
abandonada pelo pai dos seus três filhos quando ainda estava internada
na maternidade. O motivo, conta, era a condição da caçula, Nivea
Heloise, que nasceu com menos de 28 centímetros de perímetro encefálico.
“Ele me culpou por ela nascer assim. Disse que a menina era doente
porque eu era uma pessoa ruim.”
O casal se conheceu após ele começar a
frequentar a mesma igreja evangélica que ela, em uma periferia do
Recife. Carla havia acabado de sair de um relacionamento longo e até
resistiu às investidas dele por quatro meses.
Depois, começaram a namorar, se casaram e
tiveram dois meninos, hoje com 3 e 5 anos. Durante a gravidez da
caçula, porém, a relação já estava abalada.
Zika
A promotora de eventos contraiu o zika
vírus no segundo mês de gestação. Pela TV, via os casos que associavam a
doença à microcefalia e pensou que a filha, ainda no útero, poderia se
tornar uma vítima. “Os exames não apontavam nada, mas eu fui me
preparando”, diz. Descobriu que a criança era portadora da má-formação
logo depois do parto. “Não foi um choque. Eu vi e me tranquilizei.” Mas o
pai dela, não.
Nivea completa dois meses hoje, mas só
foi registrada pelo pai 30 dias após o nascimento. “Pensei em fazer a
certidão de nascimento como mãe solteira, mas minha sogra fez pressão
até ele assumir”, diz Carla. Desde dezembro, no entanto, o ex-marido não
mora mais com a família. Também não responde a mensagens no celular e a
bloqueou de um aplicativo de bate-papo, conta.
Com rotina de exames em hospitais, a
filha tem demandado atenção integral de Carla durante o dia. Já as
convulsões provocadas pela microcefalia não a deixam dormir de
madrugada. “Ela chora muito, se treme inteira e contrai as mãos”, afirma
a mãe.
A contar do nascimento de Nivea, ela ainda não conseguiu trabalhar. “Quando eu voltar, vai ser ainda mais difícil.”
Indesejada
Para a infectologista pediátrica Angela
Rocha, coordenadora do setor do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, que
recebe a maior parte dos pacientes com microcefalia em Pernambuco, o
problema de abandono dos pais afeta principalmente mulheres jovens, com
relacionamentos instáveis e que tiveram uma gravidez indesejada.
“Normalmente, o homem tem essa
dificuldade de assumir”, afirma Angela. Segundo a infectologista, alguns
rompimentos acontecem ainda antes de o casal descobrir que o filho tem
microcefalia. “Em muitos casos, o parceiro já tinha se afastado na hora
que engravidou. Em outros, quando a criança nasce.”
Foi assim para a pequena Layla Sophia,
de dois meses, que ainda não conhece o pai. “Foi uma gravidez
inesperada, logo no começo do namoro da minha filha. Quando estava com
seis meses de barriga, ele deixou ela”, conta Iranilda Silva, de 45
anos, avó da criança.
A filha de Iranilda também contraiu o
zika vírus durante a gestação. Para a família, natural de Ouricuri, no
sertão de Pernambuco, a microcefalia era totalmente desconhecida. Mas
nem a má-formação da criança a reaproximou do pai. “Ele sabe de tudo até
porque mora do nosso lado, mas nunca foi lá (ver a criança)”, contou a
avó de Layla Sophia.
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